'Mães' de bebê reborn estão sendo vítimas de ódio gratuito, diz especialista
A psicóloga entrevistada pelo Correio do Estado explicou que influenciadoras que produzem conteúdo online, participam de encontros, estão sendo atacadas com base em notícias falsas
| CORREIO DO ESTADO / LAURA BRASIL


Diferente dos comentários variados em relação a mulheres que trabalham com criação de conteúdo — conhecidas como “mães” de bebês reborn, a patologização desse comportamento pode estar sendo induzida por fake news.
Diversos casos foram compartilhados nas redes sociais, envolvendo situações como levar a boneca para uma consulta no Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que, em geral, baseados na circulação de imagens retiradas de contexto dos conteúdos criados por influenciadoras.
Entre os casos que viralizaram está o da criadora de conteúdo Yasmin Becker. Em uma visita à amiga que havia acabado de ter um bebê, Yasmin colocou o bebê reborn na balança e simulou uma consulta.
O recorte acabou chegando a redes como o TikTok, onde outros influenciadores comentaram a situação como se fosse real.
Em entrevista à TV Serra Geral, Yasmin explicou que iniciou a coleção de bebês reborn em 2020, voltada para o público infantil, e comentou que não é a primeira vez que seus vídeos viralizam e geram críticas.
Ela já produziu vídeos com mais de 2 milhões de visualizações, como um em que arruma a sacola do bebê para visitar o “pai fictício”.
Comportamento normal?
A psicóloga clínica Giovana Pavoni, formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), comentou algumas situações recentes, como o caso de uma mãe de bebê reborn que foi abordada em um shopping por uma senhora que disse que ela “precisava de ajuda”.
Sobre essa abordagem, a especialista afirmou ser contra qualquer forma de constrangimento público, independentemente do caso.
“Pessoas que colecionam bebês reborn devem ter o direito de ir e vir sem se preocupar com situações vexatórias”, enfatizou Giovana.
A psicóloga também comparou as críticas a encontros de “mães” de bebês reborn aos encontros promovidos por homens que colecionam Hot Wheels, action figures, carros antigos, miniaturas de aviões, entre outros.
Segundo Giovana Pavoni, parte do choque da população pode estar no realismo das bonecas, o que acaba levando a julgamentos sobre os motivos que levariam essas mulheres a optar por esse tipo de coleção.
Um ponto que chama atenção nas reações das pessoas ao se depararem com esse conteúdo, conforme ela destaca, são os aspectos misóginos, ou seja, o ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres, além do comportamento comum de associar tudo a doenças mentais.
“Enfatiza-se que as mulheres que colecionam esses bebês têm, necessariamente, algum desequilíbrio psíquico.”
Para se ter ideia, o negócio com venda de bebês reborn, é tão lucrativo que uma empresária de Mato Grosso do Sul, lucra mensalmente R$ 40 mil, entre cursos e produção de conteúdo infantil.
Leis contra bebês reborn
A repercussão do tema chegou até a política. Surfando na “onda da internet”, parlamentares propam Projetos de Lei para proibir o atendimento de bonecas no SUS. O estado pioneiro na proposta foi Minas Gerais, com o deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL).
Em Mato Grosso do Sul, o deputado João Henrique Catan (PL) apresentou um projeto semelhante, proibindo que bonecas sejam atendidas em unidades de pronto atendimento UPAs no Estado.
O fato curioso é que, não consta nenhuma brecha no sistema que permita o atendimento médico de bonecas. Com a formalização de leis, a ideia acaba caindo como se o sistema estivesse sendo sobrecarregado e gera na população a chamada “mentalidade de rebanho”.
“A classe política entrar nesses temas que engajam nas redes sociais faz parte desse movimento de manada, principalmente com o intuito de se promover virtualmente”, explicou Giovana, e completou:
“Imagino que existam pautas mais relevantes relacionadas à maternidade real e aos direitos de mulheres cis e trans que poderiam ser priorizadas pelos deputados.”
Em contato com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), para saber se alguma mãe de bebê reborn procurou atendimento em unidades, a resposta foi de que não há registro de situações como essa em Campo Grande.
A Sesau também alertou que acionar indevidamente serviços como o Samu configura crime. “Isso compromete atendimentos reais. Conforme o artigo 266 do Código Penal, provocar a mobilização do serviço público sem necessidade é ível de punição. A Sesau reforça a importância do uso consciente e responsável dos serviços de urgência e emergência”, diz a nota.
Circulação de fake news
Diante da enxurrada de publicações, a reportagem verificou até mesmo um vídeo no TikTok em que um influencer comenta uma suposta briga em um estacionamento, em Mato Grosso do Sul, motivada por uma mãe de bebê reborn que teria parado em vaga para gestantes.
O mesmo vídeo foi divulgado em outra rede social como tendo ocorrido em Goiás e, em uma terceira, como se fosse em Campo Grande, no estado do Rio de Janeiro.
Nesse cenário de informações duvidosas, quem não verifica os fatos acaba sendo facilmente enganado.
Quando devemos nos preocupar?
Segundo a psicóloga, as situações que realmente merecem atenção envolvem mães enlutadas ou que am por algum sofrimento psíquico e acabam se aproximando dos bebês reborn como forma de refúgio.
“Não é um movimento que possibilita a elaboração da perda em um processo de luto, por exemplo. O luto exige um trabalho subjetivo para lidar com a ausência da pessoa que se foi. Colecionar um bebê reborn igual ao filho que faleceu, por exemplo, não contribui com esse processo. Em vez de iniciar uma análise ou processo terapêutico para subjetivar a perda desse objeto, tenta-se substituí-lo”, explicou.
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