Eucalipto reduz áreas de pecuária extensiva e estimula confinamento do gado
MS consolida pecuária intensiva de olho na exportação, que este ano deve atingir US$ 1,5 bi na venda de carne
| VIVIANE MONTEIRO, DE BRASíLIA / CAMPO GRANDE NEWS


Impulsionada pela crescente demanda chinesa e pela perspectiva de abertura de novos mercados asiáticos, a pecuária de Mato Grosso do Sul avança na prática de confinamento de bovinos, substituindo a tradicional criação de gado em pastos naturais. Paralelamente, cresce a destinação de terras ao cultivo de florestas de eucalipto. Muitas áreas que antes eram pastagens estão sendo convertidas em plantações florestais para atender à crescente demanda da indústria de papel e celulose, concentrada principalmente nos municípios de Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo.
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A pecuária de Mato Grosso do Sul a por transformações significativas, com o confinamento de bovinos ganhando espaço em detrimento da criação em pastagens. Impulsionado pela demanda chinesa e novos mercados asiáticos, o confinamento deve atingir 1,115 milhão de cabeças em 2025, um aumento de 11,01% em relação a 2024. A mudança é atribuída à necessidade de atender à demanda por animais jovens e ao crescimento da produção de etanol de milho, cujo subproduto, DDG, é utilizado na alimentação do gado. Paralelamente, a área destinada ao cultivo de eucalipto cresce, ocupando terras antes utilizadas para pastagens. O avanço do eucalipto atende à crescente indústria de papel e celulose, concentrada em Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo. Mato Grosso do Sul já possui 1,6 milhão de hectares plantados e projeta-se como o maior produtor de celulose do país até 2030. Enquanto o confinamento aumenta a produtividade e a qualidade da carne, a redução das pastagens e a expansão do eucalipto preocupam ambientalistas devido aos potenciais impactos nos biomas Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. A profissionalização do setor, com foco em mercados exigentes, eleva o valor da carne brasileira, mas requer atenção à sustentabilidade ambiental.
Segundo estimativas iniciais do analista da consultoria Safras & Mercado, Fernando Iglesias, o número de bovinos criados em confinamento deve alcançar 1,115 milhão de cabeças em 2025 — em sua maioria das raças Nelore e Angus, ambas de alta performance genética. O volume representa um crescimento de 11,01% em relação ao ano anterior, quase o dobro da média nacional, que é de 5,83%.
Enquanto isso, a pecuária tradicional em pastagens naturais tem perdido espaço. Dados do Relatório de Análise de Mercado de Terras do Incra (com base em 2024) apontam que cerca de 1 milhão de hectares antes destinados à atividade agora são ocupados por plantações de eucalipto.
Para Iglesias, o avanço do confinamento segue uma tendência que deve ser mantida nos próximos anos. “No ano ado, Mato Grosso do Sul teve um número expressivo de frigoríficos habilitados para exportar à China. Uma das formas de atender à demanda por animais jovens exigida pelo país asiático é com a terminação em regime intensivo', explica.
Habilitação de frigoríficos
Em 2024, o estado ou de cinco para 11 frigoríficos habilitados a exportar carne bovina para a China. As novas habilitações se concentram em Campo Grande, Naviraí, Bataguassu, Cassilândia e São Gabriel do Oeste. Antes, os frigoríficos autorizados eram de Iguatemi, Rochedo, Aparecida do Taboado e Dourados. Com isso, a capacidade de abate para exportação ao mercado chinês saltou de 467 mil para 2,3 milhões de cabeças por ano. A expectativa é de que a China continue priorizando a compra de carne in natura brasileira, com destaque para a produção sul-mato-grossense.
Outro fator que impulsiona o confinamento é o avanço da produção de etanol de milho. “Onde surgem usinas de etanol de milho, surgem consumidores de DDG, um subproduto muito utilizado na dieta de ruminantes, o que contribui para o aumento do confinamento em estados como Mato Grosso do Sul', destaca Iglesias.
O confinamento integra uma estratégia mais ampla de diversificação do regime intensivo de produção bovina, acompanhando uma tendência nacional nas principais regiões pecuaristas. De acordo com a Safras & Mercado, o rebanho confinado brasileiro saltou de 6,206 milhões de cabeças em 2020 para 8,333 milhões previstas em 2025 — um acréscimo de cerca de 2 milhões em cinco anos. Mato Grosso do Sul ocupa a quarta posição nesse segmento.
“As áreas tradicionais de pastagem vêm perdendo espaço para outras culturas e commodities. O confinamento tem se mostrado uma atividade rentável', observa o analista.
Como exemplo, a Verdana Agropecuária, sediada no estado, anunciou um novo ciclo de investimentos de R$ 20 milhões para impulsionar seu projeto de integração lavoura-pecuária. Os recursos serão aplicados na expansão da área de soja, ampliação da capacidade de confinamento bovino e aquisição de máquinas agrícolas de última geração. A empresa destaca o foco em eficiência, rastreabilidade e produtividade, operando com um plantel Nelore de alta performance genética.
Redução do rebanho a pasto
Dados do Incra revelam que o rebanho criado em pastos em Mato Grosso do Sul caiu de 21,8 milhões de cabeças em 2016 para 18,433 milhões em 2022 — uma redução de 15,6%. Em 2023, houve recuperação de 2,48%, alcançando 18,891 milhões, patamar que tem se mantido desde então.
Segundo Iglesias, a pecuária de corte brasileira vive um processo de profissionalização e consolida o maior rebanho comercial do mundo, cada vez mais voltado para práticas compatíveis com os mercados mais exigentes.
O presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Guilherme Bumlai, reconhece as transformações no setor e ressalta o aumento da produtividade com o modelo de confinamento. Ele lembra que o estado já teve 23 milhões de cabeças de gado criado em pastos, número hoje estimado em cerca de 19 milhões. Desse total, 811 mil cabeças são de bovinos confinados — com previsão de crescimento de 10% neste ano.
“Apesar da redução na área de pastagem, aumentamos a qualidade dos abates e conquistamos mais mercado internacional. Estamos abatendo animais mais jovens e exportando mais', afirma Bumlai.
A crescente demanda chinesa por animais jovens tem pressionado a oferta nos frigoríficos estaduais. “Os animais aptos à exportação para a China estão começando a faltar, diante da forte demanda', completa.
Exportações em alta
De acordo com Bumlai, as exportações de carne in natura do estado no primeiro quadrimestre de 2025 renderam US$ 510 milhões. Se mantida a média, Mato Grosso do Sul poderá alcançar US$ 1,5 bilhão em exportações até o fim do ano — superando o recorde de 2024, que foi de US$ 1,27 bilhão.
Ele destaca ainda que os Estados Unidos, antes concorrentes, aram a importar carne brasileira diante da queda de seu próprio rebanho ao menor nível histórico. “Com a forte demanda da China, o Brasil se tornou referência no mercado internacional de carne.'
A China exige principalmente animais com até 30 meses, o que favorece o confinamento, pois os animais ganham peso mais rapidamente. Ainda assim, animais de pasto também podem ser exportados, desde que sejam jovens. “O confinamento padroniza o gado e melhora a qualidade da carne por meio de dieta balanceada e controlada', afirma Bumlai.
Novos mercados: Japão no horizonte
Bumlai participou recentemente de reunião na França, onde o Brasil recebeu da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) o certificado de área livre de febre aftosa sem vacinação. O reconhecimento abre portas para mercados como o Japão, que não importam carne de países que ainda vacinam seus rebanhos.
Com o novo status sanitário, avalia Bumlai, o Japão deve se tornar um mercado importante para a carne brasileira. O início das exportações, contudo, depende da publicação de uma portaria pelo Ministério da Agricultura (MAPA).
Para Fernando Iglesias da Safras & Mercado, o Brasil — e Mato Grosso do Sul em especial — estão avançando “a os largos' na produção de animais de alto valor agregado, com boa genética e foco em mercados exigentes. “Essa estratégia amplia as margens de lucro e a rentabilidade do produtor, agregando valor à carne brasileira', analisa.
Diferente da criação em pastagens livres, o gado confinado exige espaços fechados ou s (como currais, piquetes ou baias), alimentado com bagaço de cana, silagem e ração. O sistema oferece dieta balanceada, água e alimentação à vontade, promovendo ganho de peso mais rápido e eficiente para o abate.
A prática é comum nas regiões do Cerrado e outras áreas pecuaristas, mas não há dados sobre sua concentração. No Pantanal, o confinamento é proibido por lei. Lá, a pecuária de corte tradicional ainda é a principal atividade econômica.
Expansão do eucalipto
Com a redução das pastagens, o cultivo de eucalipto cresce aceleradamente para atender à demanda das fábricas de celulose, especialmente em Três Lagoas (22,2% do total estadual) e Ribas do Rio Pardo (21,7%), conforme o relatório do Incra.
Mato Grosso do Sul possui atualmente cerca de 1,6 milhão de hectares ocupados por florestas de eucalipto e ocupa o segundo lugar no ranking nacional, atrás apenas de Minas Gerais. A expectativa é que a área plantada alcance 2 milhões de hectares até 2030, tornando o estado o maior produtor de celulose do país e um dos principais do mundo, segundo o Incra.
O crescimento também visa atender futuras fábricas em Inocência e Água Clara, além da demanda de indústrias em São Paulo e no Paraguai.
Impactos ambientais
Ambientalistas alertam para os impactos ambientais do avanço tanto do confinamento como das florestas de eucalipto, sobretudo em um estado com cobertura vegetal marcada por três biomas — Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica —, abrigando rica biodiversidade e importantes nascentes de rios e aquíferos.
Procurado, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) não respondeu sobre o número de licenças concedidas para confinamento de gado e plantio de eucalipto. O espaço permanece aberto.
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